quarta-feira, 6 de junho de 2018

Tratamento,Ratos e Hotéis Baratos.

CONTO 01


Contou as chaves, rodou a maçaneta. Silêncio dentro do quarto, mas era possível ouvir os gemidos dos vizinhos transando pelas paredes. 40 reais pra dormir. Agora sim, estava na metrópole. Resistindo as pessoas mais falsas que você pode imaginar. Vendo todas as pessoas fingirem demência pela janela do quarto. Esse filme já passou pela sua cabeça, pois já tinha passado algumas vezes naquela cidade, naquele quarto. 

Quando abriu a porta do banheiro sem box, saíram algumas baratas. - As baratas fazem alguma diferença? - Pegou as coisas, tomou banho, colocou a mesma calça jeans de meses, uma camiseta qualquer de 20 reais e foi a padaria. Andava rápido, olhava focando no chão, porém com uma atenção periférica extremamente aguçada, pois sempre esteve sozinho e sempre precisou ser o primeiro a perceber algum perigo. Ignorava rapidamente os mendigos, evitava qualquer olhar quando estava sendo encarado por alguém. Dessa forma se protegia, um rastro imperceptível passando. A solidão o protegia. Centro de si mesmo. 


8 tiros foram necessários para provocar o corre corre e provar que não existia proteção nenhuma. Gritos, cada um tentando achar um canto pra se abaixar, ninguém sabia mais quem tava atirando: Era apenas uma situação normal no centro de alguma grande cidade, cuja importância de ser mencionada nessa situação é praticamente zero, afinal qualquer cidade é frágil e imprevisível. Qualquer lugar é frágil e imprevisível. Ninguém está protegido. 

E no meio dos barulhos, das sirenes, de gritos e choros que entraram em choque com o silêncio da madrugada, rapidamente viu alguém ser alvejado. Na sua frente, na cabeça. Agonizou por 4 segundos e depois não emitia mais nenhuma reação, morreu na hora.

Ficou abaixado, um pouco assustado mas mantendo a sua atenção periférica, aquela que salvou sua vida naquele momento.


Assim começava o seu tratamento. 

terça-feira, 1 de maio de 2018

medo

Tenho medo da passagem do tempo.
tenho medo de tudo que ele já destruiu
não posso tê-lo de volta.
e tenho medo que o tempo roube o que tenho agora,
como sempre fez.
Deixando não mais do que restos
tenho medo e não aceito,
não aceito por não compreender,
me pego em egoismo.
É como se vivesse para me despedir
de tudo que está próximo, de toda construção
logo mais uma nova despedida
E por mais que todo mundo sempre ache um jeito de dizer
que a vida é assim mesmo
no fundo ninguém acha um jeito,
de aprender com o tempo.



segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Chove e eu estou tentando encontrar uma saída. E ando pelas ruas, mas ninguém lá fora sabe o que passa aqui dentro. Tentando encontrar maneiras de entender o que está acontecendo e me perco nas mesmas promessas de sempre, o que torna mais angustiante, pois a amargura sobe a cabeça quando você pensa que exatamente há um ano atrás, você chegou a pensar que estaria melhor se seguisse aquele conjunto de ações. E na primeira recaída, você desmerece ou desacredita de todo caminho que seguiu para se sentir melhor. A sua necessidade de melhorar é tão desesperada que cria um monstro que consegue atacar a você mesmo, tirando todo o ar do seu peito. 

Eu não me assusto mais com a palavra loucura, afinal quem é capaz de se considerar dentro de uma normalidade nos dias de hoje? Uma normalidade que é apenas destrutível e valoriza a melhor performasse teatral dentro da peça que é a vida. Mas por que ver a vida como uma peça mano? A vida é isso ai que está acontecendo e você não consegue entender. É essa merda aí, indecifrável, essas coisas que acontecem todos os dias e mesmo assim, não parecem mostrar nenhum sentido, tá ligado? Alguém me disse uma vez que se você vomita todo o sofrimento pra fora, você não tem segredos. E se você não tem segredos, você não aproxima ninguém. Tá vendo, velho? Tá na moda ser performático. Para pra pensar, quando o real é muito difuso, quando o real é muito confuso e destrutivo, as pessoas vão criar uma fantasia para se livrar do difuso, do imóvel e estático. As pessoas querem ser amadas, as pessoas precisam ser amadas. 


Por que não me adapto? Duas, três, quatro, cinco horas e eu repito essa pergunta inúmeras vezes no mesmo dia. Por que continuo a vomitar meu sofrimento para qualquer lado, continuo a externalizar o meu ódio, continuo a encarar todas as pessoas e continuo com esse eterno semblante de quem não aguenta mais? 

Porque eu quero sentir, porque eu quero viver algo real, porque eu quero ser alguma coisa real, porque eu quero falar sobre alguma coisa real, porque eu não quero entrar nessa performasse novamente, porque eu não quero ser aquilo que esperam de mim, porque eu não quero viver em função do que esperam de mim, porque eu não quero esse muro de material impenetrável que separa o que as pessoas sentem do que as pessoas dizem. Porque eu quero apertar a ferida, se for pra apertar. Mas eu também quero ajudar a sarar. Não vê que todo mundo morre? Não vê que todo mundo vive uma vida extremamente sufocante até morrer? Não vê que todo mundo se desespera com uma luta sem nenhum tipo de moldura ou solidez? Você luta pelo que e contra o que? Você ignora o fim. Ou pelo menos externamente, já que não é permitido ser honesto com o que você sente.


E sobre as pessoas: Passe por cima, pise, agrida, ignore, exclua, o olhar sempre em você. Não tem trocado, se vire. Foda-se, eu não me importo. O difícil é viver: Mas é difícil pra mim, difícil pra você, difícil pra qualquer alma viva nesta merda. 

domingo, 12 de novembro de 2017

Final Complicado


um pouco de romantismo pra provar q eu amo coisas que odeio.
Cada memória é um golpe profundo,
A dor se alastra em todo meu corpo
Gerando vício, gerando silêncio.
As cicatrizes estão ardendo


O que resta de você são memórias de uma mente não confiável 
Cheiro do mar vazio, vento e sombras. Tudo vazio.
E a incapacidade de seguir nesse caminho turvo,
Sem espaço pra respirar.


A vida sempre foi solidão,
Mas sem a sua presença é apenas pólvora para dentro,
E o gatilho que estou prestes a apertar,
por ter a certeza que as próximas vezes serão cíclicas 
E eu não terei a capacidade de sair desse ciclo vicioso,
com relações e momentos repetidos, 
nada novo.
nada real.



O meu corpo inteiro treme,
Mas o filtro da minha mente me conforta,
pois me presenteia com memórias confortantes de algo que não existe na minha consciência.
A dor é confortável em seu próprio espaço 
E então,
me reciclo novamente,
neste claustro que é viver.


Talvez se tivesse ido embora não teria me permitido sofrer mais  
Quero viver para continuar sentindo a dor,
a dor desta cicatriz....
que nunca irá sarar.

sábado, 23 de setembro de 2017

FALL

Caindo em pedaços
Eles falam do fundo do poço,
Cavei o mais fundo que podia
Assisti a minha própria destruição,
Vi o meu corpo destroçado em fragmentos de ódio e pedaços de lixo
Ainda sim não tinha chegado no fundo do poço


Faltava o ar,
Não sentia frio, não sentia calor
Largado no meio dessa cidade imunda sem nenhum propósito
Me juntei aos ratos na madrugada
Tiro os sapatos,
Piso propositalmente em cada caco de vidro que eles deixam em suas garrafas quebradas
O fundo do poço se aproximava
A dor era confortável em seu próprio espaço
Em seu retrato escuro ou cinzento
A gente morre estando vivo



E morra quantas vezes for necessário
O fundo do poço não é o fim
É apenas uma queda.


Siento la Gravidad empujarme
El peso de los dias


sábado, 1 de julho de 2017

Pulsação

Movimenta-se com uma pulsação descompassada
A noite chega e os olhos são frígidos,
Caminhando em círculos até a insônia chegar
Preso entre portas fechadas,
Portas fechadas que deixam os olhos abertos.
E os olhos abertos que passam a dominar a pulsação,
medição frequente.



E aos poucos a pulsação entra em compasso,
O equilíbrio tem longa duração desta vez.
Jamais esquecer as raízes, construídas sob muita solidão e tristeza
Jamais esquecer as raízes, construídas sob angústia e paranoia.
Definitivamente não se existe para agradar e vestir máscaras,
Falar o que ambiente espera, a maior estupidez que já fizestes.
Sua expressão deve ultrapassar qualquer limite.
A vida apenas É.


Solidão que cativa, seduz e mata.
Profundo mergulho no oceano de mágoas,
E apenas vai assistir a sua morte, sem mergulhar?


Sem mergulhar?

terça-feira, 18 de abril de 2017

Cachoeira.

    Sandra percorre montanhas e cachoeiras em seus sonhos. Escreve sempre tudo o que vê em seu pequeno caderno. Está sozinha, como sempre esteve. Talvez só agora foi possível notar: As marcas de sangue nos braços podem trazer algum significado dessa constante nebulosidade que foi a sua vida. O seu antigo e único apartamento no centro da cidade agora está muito mais longe do que se imagina. Sandra está perdida dentro de um sonho, dentro de um pesadelo numa madrugada de segunda feira. Quando acorda, espera desesperadamente que as pessoas acreditem nos seus sonhos, pois eles significam muito mais do que qualquer coisa. A sua rotina sempre foi exagerada, eu digo, exaustivamente, dolorosamente e enlouquecidamente exagerada ao ponto de uma cobrança diária ter se transformado numa psicose. Ninguém a perturbava, era apenas individual. Sandra morava sozinha e tinha uma vida resolvida, não era necessário expandir. Mas que expansão era essa? Todo o seu esforço para o entendimento do grande quebra cabeça dentro da sua mente foi em vão. No fim, tudo se transformou em uma incerteza angustiante, sem caminhos e formas.
      Antes de tudo: Todos os pequenos passos não mostram nenhuma luz de fim de túnel. São apenas passos em torno de um mesmo ponto fixo que perpassam a sensação angustiante de não sair do lugar. O giro urbano...A cidade que mantém as suas ruas, o barulho que destrói os ouvidos, os problemas cardíacos e respiratórios, o estado permanente de um hipocondríaco, as buzinas e as irritações de todas as pessoas que circulam pelas ruas, os passos rápidos e paranoicos, sufocantes. Todos mentem, todos se odeiam e todos choram. Tudo isso num movimento síncrono diário, como se hoje fosse exatamente igual a ontem. E  ainda sim, Sandra acredita que amanhã será diferente de hoje. Quando percebeu que tinha acordado com o barulho do despertador, preparou os braços e cortou-se numa veia profunda: Apertou e sentiu o sangue espirrar para todos os lados: Sandra se libertava de uma dor psicológica gerada pela realidade, transformando-a em uma dor física. As gotas vermelhas eram delirantes e o sangue espirrava dos seus braços finos como uma  grande fonte de água. Não queria ter saído do pesadelo, acordar nunca foi bom, pois Sandra era viciada em tudo, menos na realidade.
       Na sua memória:Lembra que as gostas de sangue eram hematomas deixados pelo seu pai, antigamente. Agora Sandra está sozinha, com uma mãe morta e um pai preso. Mas um pai que talvez seria melhor se fosse esquecido. Entretanto, a calmaria de uma vida contemporânea, individualizada e solitária não foi o suficiente para inibir a ação corrosiva dos seus tramas. É manhã, bem cedinho. O sangue escorre pelo chuveiro do apartamento central enquanto o despertador faz um barulho assustador. É apenas o começo do seu dia.